Na pauta de processos que o plenário físico do Supremo Tribunal Federal (STF) pretende julgar em agosto, a definição da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5405 deve traçar novos rumos referentes à dispensa de honorários advocatícios sucumbenciais na celebração de acordos e parcelamentos tributários junto ao Poder Público, antes do trânsito em julgado. No cerne da discussão, os ministros do STF devem discutir se os dispositivos de leis federais que dispensam o pagamento de honorários nestes casos em específico são constitucionais.
Antes de chegar ao plenário físico, o caso começou a ser debatido em plenário virtual entre 7 a 14 de fevereiro deste ano, ocasião em que os ministros formaram maioria, nos termos no voto do relator, ministro Dias Toffoli, para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados. O ministro Gilmar Mendes, contudo, pediu destaque e a análise da ação foi levada ao plenário físico. Com o destaque, o placar da discussão será zerado e o julgamento reiniciado.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo JOTA, a tendência é que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos seja reafirmada quando o julgamento da ADI 5405 ocorrer presencialmente. Porém, afirmam que, se a decisão dos ministros não for modulada, poderá representar um risco para os contribuintes que optaram pelos parcelamentos, pois o advogado da União poderá reivindicar o pagamento de honorários, o que estava expressamente vedado por lei. Em alguns casos, o advogado do contribuinte também poderia cobrar os honorários, o que geraria custos adicionais para a União.
Leo Lopes, líder da área de Contencioso Tributário no FAS Advogados, acredita que caso o julgamento tome esse rumo, a modulação de efeitos é importante para prover segurança jurídica, tendo em vista o número de casos que foram acordados entre contribuintes e o governo federal para quitação de débitos, em que não existia a previsão de pagamento da sucumbência. Segundo ele, se o STF aplicar efeitos ex tunc, ou seja retroativos, isso poderia impactar, inclusive, casos em que os débitos estão em fase de quitação ou que já foram totalmente pagos.
Ele pondera que os desdobramentos dependerão, em grande parte, da postura que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) irão adotar, mas acredita que, no curto prazo, a medida tende a aumentar o volume de contencioso. Em segundo plano, Lopes acredita que a decisão, se aplicada com os efeitos ex tunc, também poderá ser maléfica e trazer insegurança aos novos investimentos e novas adesões, sejam de parcelamentos incentivados ou de transações tributárias.
A primeira rodada do Índice de Segurança Jurídica e Regulatória (Insejur), criado pelo JOTA em parceria com professores do Insper para avaliar a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, mostrou que 86% dos stakeholders de grandes empresas consideram que as decisões judiciais não são consistentes. E isto se reflete no ambiente de negócios. A mesma pesquisa identificou que 87% dos respondentes consideram que as empresas não conseguem se planejar no longo prazo.
Apesar de a ADI não envolver diretamente questões vinculadas à transação, como é o caso do que foi definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela trata de como deve ser a questão da sucumbência em casos em que há acordo entre particulares e governos. "Isso pode ser muito prejudicial, pois as empresas, em uma próxima vez que tiverem alguma oportunidade de aderir a uma transação ou a um parcelamento incentivado, estarão muito mais reticentes de aceitar fazer uma adesão em um caso que se tenha essa controvérsia sobre a sucumbência", pontua Lopes.
Isabella Paschoal, advogada tributarista do Caputo, Bastos e Serra Advogados, explica que caso os dispositivos venham a ser declarados inconstitucionais, o cenário jurídico pode permitir a cobrança desses valores com base no Código de Processo Civil (CPC). Muitas adesões a parcelamentos, contudo, podem estar protegidas pela coisa julgada e pelo prazo prescricional, o que limitaria eventual reversão de efeitos.
Mariana Rabelo, sócia do Ubaldo Rabelo Advogados, afirma que caso o STF mantenha a maioria formada no plenário virtual, a modulação de efeitos seria uma ferramenta para evitar níveis significativos de insegurança jurídica. "Os montantes de honorários que podem ser cobrados são previstos pelo CPC, que possui patamares bastante objetivos. Os honorários sucumbenciais em favor da Fazenda Pública deverão ser fixados entre 1% e 3% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico quando este for superior a R$ 100 mil", explica a advogada.
Já Vitor Chaves, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), considera que não se trata de um caso inédito, pois já são vários os litígios submetidos ao STF pela advocacia pública de todos os entes da federação questionando a tradição de concessão de descontos ou mesmo remissão de honorários, tanto sucumbenciais, quanto extrajudiciais, por meio de programas de estímulo à regularidade fiscal. A associação se posiciona de forma contrária à modulação de efeitos por "não se tratar de matéria disruptiva que a justifique, já havendo inclusive liminares concedidas em casos análogos".
Julio Cesar Vieira Gomes, ex-secretário da Receita Federal, ex-conselheiro do Carf e sócio do Julio Cesar Vieira Gomes Advocacia, pontua que, caso os efeitos da decisão do STF não sejam modulados, sendo mantidos os honorários sucumbenciais em favor da União, uma alternativa seria a União permitir a renegociação do acordo para se reduzir a dívida de forma que, somada aos honorários sucumbenciais, não se altere o que foi cobrado.
Na avaliação de Leo Lopes, dois pontos de maior impacto tendem a ser observados nos casos de Regime de Recuperação Fiscal (Refis), o programa de parcelamento incentivado instituído pela Lei 11.941/2006, uma das questionadas na ADI 5405. O primeiro, em razão das reaberturas de parcelamento seguidas no formato inicial, ainda em 2009, e a segunda, relacionada a uma possível cobrança de honorários de sucumbência dos contribuintes que aderiram ao Refis.
"Um dos outros itens que está sendo discutido é o artigo 19 da Lei 10.522, que permite que a Procuradoria não recorra em casos que já têm jurisprudência pacífica a favor dos contribuintes e que, com isso, o grande benefício que ela acaba tendo em não recorrer, em não discutir aquilo, é o de não ter a condenação em sucumbência", afirma. Por isso, acredita que a modulação dos efeitos tem um potencial relevante para envolver todos os lados, tanto em casos em que as empresas seriam prejudicadas, como no caso do Refis, como em casos em que o governo federal seria prejudicado, a exemplo da Lei 10.522.
Na hipótese de ficar estabelecido que serão devidos honorários advocatícios em caso de renúncia ou desistência de ação judicial em que é discutido o crédito tributário a ser objeto de parcelamento, Mariana Rabelo considera que essa questão certamente impactará tanto os credores da Fazenda Pública quanto a própria União, que deverão levar em conta esse custo adicional para a celebração dessas medidas.
Isabella Paschoal, por outro lado, acredita que o impacto da decisão da Corte tende a ser mais perceptível em situações em que já exista discussão judicial sobre a obrigação de pagar honorários em razão da extinção da ação após adesão aos parcelamento. Segundo ela, também destacam-se os casos em que a renúncia ao direito ou a desistência da ação foi formalizada pelo contribuinte, visto que seus advogados particulares, diretamente afetados pela dispensa dos honorários, possuem controle mais direto sobre as demandas em que atuaram e eventualmente não receberam a verba honorária, o que difere da situação dos advogados públicos, sujeitos a uma dinâmica institucional própria.
Para evitar esses reflexos, Diego Diniz Ribeiro, sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, ressalta que talvez o melhor caminho a ser seguido pelo STF seja de fato modular o entendimento da sua posição para que, caso seja pela incidência dos honorários, produza efeitos apenas a partir do momento da decisão, de modo a não causar insegurança jurídica.
Na opinião dos especialistas ouvidos pelo JOTA, o julgamento da ADI 5405 no STF ainda pode trazer outra incerteza em relação ao que decidiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre honorários. Em junho, por um placar de 3x2, os ministros do STJ decidiram que empresas que desistem de ações judiciais para aderir ao acordo de transação tributária não devem arcar com honorários de sucumbência em favor da Fazenda Nacional. A turma entendeu que como a renúncia ao direito discutido na ação é uma exigência legal para a formalização da transação, e a legislação que regula esse instrumento não prevê o pagamento de honorários, a sua cobrança violaria a lógica da concessão mútua que caracteriza esse tipo de acordo.
No julgamento, prevaleceu o voto-vista do ministro Paulo Sérgio Domingues, que entendeu que, embora não haja previsão legal sobre a condenação em honorários nos casos de transação, a exigência desse pagamento após a renúncia do contribuinte viola a boa-fé e o propósito consensual dos programas. Para o magistrado, a adesão à transação é condicionada à renúncia ao direito discutido na ação, e impor, além disso, o ônus dos honorários, sem que a norma específica da transação o preveja, representa a criação de uma aplicação subsidiária não prevista. Os ministros Regina Helena Costa e Sérgio Kukina o acompanharam.
A advogada Isabella Paschoal considera haver um desencontro pontual entre os entendimentos de ambas as Cortes, mas eles dizem respeito a contextos normativos distintos. "O julgamento da 1ª Turma do STJ está inserido no regime da Lei 13.988/2020, que trata da transação tributária, a qual pressupõe negociação entre o contribuinte e o Fisco. Essa modalidade permite concessões mútuas e é direcionada, em muitos casos, a contribuintes com situação financeira comprometida, o que justifica uma leitura mais flexível sobre a imposição de encargos adicionais, como os honorários", explica Paschoal.
Por sua vez, as normas analisadas na ADI 5405, segundo ela, possuem um debate mais amplo e contêm previsões expressas e unilaterais de dispensa de honorários, ou seja, foram editadas estabelecendo diretamente essa dispensa, sem qualquer mecanismo de negociação ou reciprocidade. De acordo com a advogada, a principal diferença reside no fato de que a Lei 13.988/2020, objeto do julgamento da 1ª Turma do STJ, não menciona a questão dos honorários advocatícios, nem para exigência, nem para dispensa. "Diante da diferença de escopo e fundamentos, entendo que são discussões juridicamente autônomas, e não é possível afirmar que uma decisão necessariamente influenciará a outra", afirma.
Na avaliação de Leo Lopes, a tendência é que, com o Supremo decretando a inconstitucionalidade das normas que afastavam a sucumbência, a decisão do STJ tende a cair futuramente com recursos sobre esse tema. "Essa decisão do STJ é de uma Turma, então ainda não configura um posicionamento consolidado do Tribunal, mas a tendência é que isso venha a ser reformado para seguir o conceito que for adotado pelo Supremo nessa ADI", declarou.
Para Eduardo Ubaldo, sócio do Ubaldo Rabelo Advogados, embora a controvérsia jurídica posta sob apreciação de cada uma das Cortes não seja exatamente a mesma, é possível que a decisão a ser tomada pelo STF implique em um resultado distinto daquele decorrente da decisão tomada pelo STJ. Contudo, conforme ele ressaltou, é comum que em situações como essa, o STJ acabe por adequar a sua jurisprudência ao entendimento adotado pela Corte Suprema.
O caso chegou ao STF por meio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), questionando dispositivos de leis federais (Leis 11.775/2008; 11.941/2009; 12.249/2010; 12.844/2013 e 13.043/2014), que dispensam o pagamento de honorários advocatícios na hipótese de celebração de acordos e parcelamentos tributários antes do trânsito em julgado. Segundo o órgão, tais dispositivos violam normas da Constituição.
A OAB aponta na ação que, tantos os honorários contratuais quanto os de sucumbência possuem natureza remuneratória e, portanto, alimentar, motivo pelo qual a dispensa de pagamento desses valores pelo legislador infraconstitucional seria incompatível com a dignidade da profissão, violando o princípio da dignidade humana e a indispensabilidade do advogado para a administração da Justiça.
Também alega que não se poderia cogitar da realização de trabalho sem a devida contraprestação, sendo que os honorários sucumbenciais fixados em em sentença seriam parte do patrimônio do advogado, a quem caberia exclusivamente dispor sobre a verba. Afirma ainda que as leis federais questionadas seriam incompatíveis com o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, visto que ao advogado vencedor de uma ação devem ser concedidos os honorários sucumbenciais.
Argumenta a OAB que a estipulação de condição – dispensa dos honorários sucumbenciais estipulados em sentenças transitadas em julgado – para o deferimento de parcelamentos e renegociações de dívidas importaria em contrariedade à coisa julgada, bem como ao princípio da isonomia, por limitar o poder de negociação do devedor. Por isso, requereu ao Supremo a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados, bem como a declaração de sua inconstitucionalidade.
Em última manifestação nos autos da ação, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu em outubro a necessidade de modulação dos efeitos em eventual declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados das normais federais. De acordo com a AGU, a procedência da ADI, embora consentânea com a jurisprudência mais recente do STF, é capaz de gerar grave risco à segurança jurídica de parcelamentos formalizados desde a edição da Lei 11.941/09, "sem olvidar das vultosas (conquanto incertas) repercussões financeiras de uma decisão com efeitos retroativos".
"A propósito, o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [LINDB] impede que o julgador decida com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão", afirma a AGU em manifestação. Por isso, requereu que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos seja realizada com efeitos prospectivos. Inicialmente, a AGU havia se manifestado pelo não conhecimento da demanda da OAB, pois a sistemática remuneratória da advocacia seria disciplinada por normas infraconstitucionais, de maneira a impedir a análise em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Durante a análise da ação em plenário virtual, Toffoli concluiu em seu voto que, de fato, os honorários sucumbenciais possuem nítido caráter de contraprestação pelo serviço prestado e, portanto, há muito tempo são compreendidos pela jurisprudência do próprio STF como verbas remuneratórias e de natureza alimentar. Desse modo, ressaltou que por pertencerem ao advogado e decorrerem do trabalho, os honorários de sucumbência possuem natureza remuneratória e alimentar, o que confere a eles especial proteção, em deferência ao serviço prestado pelos advogados, privados ou públicos.
Além disso, o ministro destacou que, em 2015, o CPC reforçou o entendimento de que os honorários de sucumbência constituem direito do advogado, incluindo-se os advogados públicos, e reiterou que a remuneração possui caráter alimentar. Também afirmou que o STF confirmou que os advogados públicos são titulares dos honorários de sucumbência, nos termos da lei, com o fundamento de que os honorários devidos aos profissionais públicos também constituem contraprestação de natureza remuneratória por serviços prestados com eficiência no desempenho da função pública.
“Portanto, conforme pacífica jurisprudência desta Corte, os honorários de sucumbência são titularizados pelos advogados, públicos ou privados, e possuem especial proteção, pois remuneram esses profissionais pelos serviços prestados, decorrendo disso o caráter remuneratório e alimentar dessa verba, com os privilégios disso decorrentes”, assinalou Toffoli.
Nesse contexto, reiterou que o Supremo já foi instado a se manifestar em outras ocasiões sobre casos de dispensa, diminuição ou flexibilização dos honorários sucumbenciais, de modo que teve a oportunidade de reafirmar o entendimento consagrado segundo o qual os honorários são verbas titularizadas pelos advogados e têm natureza remuneratória e alimentar.
“Em outra ocasião, na qual as partes litigantes celebraram acordo homologado judicialmente, este Tribunal acolheu embargos do advogado da parte vencedora para fixar que são devidas as verbas de sucumbência quando há homologação de transação celebrada sem a participação do patrono da causa, uma vez que somente o titular dos honorários pode transigir sobre a respectiva remuneração”, disse o ministro.
Em relação aos dispositivos que especificamente dispensam os honorários advocatícios em razão da extinção das ações em que o sujeito passivo de créditos da União optar pelo parcelamento ou pela renegociação previstos na lei, Toffoli concluiu que a dispensa normativa do pagamento da remuneração devida aos advogados sem sua concordância expressa ofende a garantia da propriedade privada e da remuneração decorrente do trabalho.
À época da análise da ADI em plenário virtual, o voto de Toffoli foi acompanhado integralmente pelos ministros Alexandre de Moraes (que devolveu a vista do julgamento), Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O ministro Flávio Dino acompanhou o voto de Toffoli com algumas ressalvas. Nunes Marques e Gilmar Mendes, que destacou o processo, ainda não haviam votado.'